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Wave Festival

Film Craft quer mais humanidade do que tecnologia

Para o diretor argentino Andy Fogwill, fundador da Landia e presidente do júri da área no Wave Festival, o filme ainda é a peça mais mais sexy e transcendente de uma campanha

Teresa Levin
4 de abril de 2017 - 13h17

 

Andy Fogwill (crédito: divulgação)

Andy: “em relação aos clientes, o mercado está mais dominado pela efetividade do que pela criatividade” (crédito: divulgação)

O diretor argentino Andy Fogwill, um dos nomes mais estrelados da publicidade mundial, lidera o júri de Film Craft da 10ª edição do Wave Festival. Fundador da produtora Landia, que nasceu em Buenos Aires e atualmente tem presença também em São Paulo, Los Angeles, Cidade do México e Madrid, sua meta é que os cinco escritórios estejam cada vez mais integrados, mas não percam suas identidades locais. Entre os cerca de 25 diretores da produtora estão os brasileiros Rodrigo Saavedra e Lua Voigt. Outro plano é fortalecer a divisão de conteúdo, com projetos próprios e para marcas. “No futuro, queremos pensar na companhia mais como uma plataforma de ‘e-commerce de conteúdos’, do que como uma produtora clássica, olhando o que acontece com todos os novos paradigmas de storytelling, como VR”, diz Andy em um dos trechos da entrevista que você lê na íntegra, a seguir.

Meio & Mensagem – A categoria Film Craft se destaca pela valorização da técnica. Como estamos vivendo no meio de uma revolução tecnológica, o que pode ser considerado brilhante quando falamos sobre técnicas? O que pode tornar um trabalho especial sob esta ótica?

Andy Fogwill – Só há uma maneira de enxergar o craft: pela perspectiva da sensibilidade e do olhar do diretor ou do artista cujo trabalho está sendo avaliado. Isso é o que me interessa: o grau de sensibilidade. Quando analiso uma peça, tento me conectar com o que se passava em sua cabeça na hora da filmagem e, a partir daí, tento julgar o grau de liberdade, a “rebelião saudável” que enfrentou, adversidades do script e problemas que possam ter surgido na produção. Temos também que pensar em como as coisas foram feitas e com que recursos. Uma peça com um bom craft é, em geral, uma peça na qual se respira um certo estado de liberdade artística e de criação de novas regras visuais que produziram uma nova beleza. Quando falamos de craft, falamos sobre a capacidade que um diretor ou artista teve de produzir um instante ou 30 segundos de beleza, porque, basicamente, sempre queremos nos conectar com algo belo. É verdade que hoje estamos vivendo um momento de evolução técnica sem precedentes na arte. Entretanto, paradoxalmente, a tendência no craft é a de buscarmos mais humanidade do que tecnologia. Estou interessado nos avanços tecnológicos que dão mais liberdade. Por exemplo, nos últimos anos o drone foi um avanço tecnológico que ajudou a agregar alguma escala ao storytelling, levando a câmera a lugares inesperados e que, como o progresso, criou novos desafios. Além disso, o avanço das câmeras digitais e das lentes está fazendo com que a fotografia seja a grande vedete do craft, permitindo encontrar climas de luz com uma menor quantidade de iluminação, o que dá mais liberdade para trabalhar e criar os sistemas de produção mais iluminados, com menos equipamento técnico. Quanto menor o número de pessoas envolvidas em um projeto, há mais chance de ter liberdade e criar a beleza. Aí está a chave do craft: a criação de algo belo. Estou convencido de que quanto mais bonito é um comercial, mais memorável ele será e, ao mesmo tempo, venderá mais. É por isso que temos que defender o craft, porque é uma forma valiosa para produzir beleza e seduzir o espectador

M&M – Você começou a sua carreira na Argentina e a partir do seu país viu seu trabalho ser reconhecido mundialmente. O que fez com que a performance na Landia reverberasse no mundo?

Andy – Tudo aconteceu aos poucos e com muito trabalho. Começamos a Landia com três pessoas em um pequeno escritório em Palermo e hoje temos unidades em cinco países. Estamos trabalhando para muitos países que nunca imaginávamos estar trabalhando. Mas acho que uma das coisas mais importantes de nosso começo foi que na Landia entendemos rapidamente que este trabalho é feito em três: cliente, produtora e agência. Soubemos exercitar bem este triângulo, escutando, pensando, atuando e criando bons links entre todas as partes deste negócio, sempre priorizando a qualidade do trabalho acima de qualquer assunto ligado à produção. Também trabalhamos muito duro no desenvolvimento da Landia como uma marca em si, acima de cada um de seus diretores, tentando firmar uma visão de trabalho, com ideologia e estética distintas. E isso nos colocou em um lugar interessante logo de cara. Daí começamos a trabalhar um pouco contra certa publicidade solene e dura, com uma perspectiva um pouco mais “anti-publicidade”, mais real e humana, misturando a nossa visão de publicidade com algo um pouco mais contra-cultural que veio de nossa formação em vídeos de rock, moda e cinema. Por fim, poderia dizer que o que eu sempre gostei e nos orgulhamos da Landia é a constante troca e a aposta em novos diretores e jovens talentos. Estamos constantemente à procura de novos talentos para continuar refrescando nossa visão.

M&M – Assim como o cinema argentino, a publicidade de seu país se destacou mundialmente pela qualidade de suas produções e pela criatividade. Como está hoje a publicidade na Argentina?

Andy – Se olharmos bem para Buenos Aires percebemos que há um sistema de treinamento criativo muito exigente, que gera muita competitividade. Isso ajuda a teros um bom nível. Hoje, há uma forte conversão no mercado de publicidade na Argentina, como em todo o mundo. Estão aparecendo novas agências, menores e, o melhor disso, mais rápidas, que vão marcar o ecossistema da próxima década. Em relação aos clientes, o mercado está mais dominado pela efetividade do que pela criatividade; dominado por forte giro em direção ao digital, para uma indefinição do negócio e um presente hiper-segmentado. Sinto que muitas agências estão se esforçando para encontrar o “sexy” no digital. É lógico que escrever um script ou filmar um comercial é muito mais sexy do que fazer uma campanha digital. Além disso, o comercial ainda é a peça mais transcendente de uma campanha, porque, de alguma forma, é o guarda-chuva ideológico sobre o qual devem estar todos os outros conteúdos. Apesar disso, sinto que as agências e as produtoras têm de repensar seus negócios. No geral, vejo que há um grande desperdício de tempo e energia em nosso mercado. Hoje você tem que trabalhar o “tempo criativo”, ou seja, voltar, criar tempo. Acredito que as variáveis mais importantes da nossa época são tempo e concentração.  São as únicas maneiras de fazer um trabalho melhor. Devemos criar novos modelos de trabalho que produzam uma melhor concentração e um maior aproveitamento do tempo. Porque quanto mais tempo se respira em uma agência, melhor é o trabalho criativo.

M&M – Com tantas mídias ao nosso redor, qual a dificuldade de ser inovador e lutar pela atenção do consumidor/espectador?

Andy – É uma grande verdade: no presente hiper-segmentado e veloz, onde muitas coisas acontecem ao mesmo tempo, é complexo gerar conteúdos que “trackeen” e consigam atenção total, como acontecia há dez anos. É muito difícil hoje gerar memória com a publicidade. Criadores de conteúdo devem trabalhar de uma forma mais sustentável e responsável com a imagem. Eu gosto de chamar de “ecologia da imagem”, trabalhar na produção de conteúdos que ajudem a melhorar o ecossistema dos canais e plataformas com o compromisso de relevância, beleza e qualidade em uma época em que a velocidade e o instantâneo estão ganhando da qualidade. Precisamos nos ajudar para que o trabalho seja melhor, mais interessante, mais inteligente, para podermos pensar em uma indústria que tenha longevidade e possa estar a altura do mundo que está chegando.

M&M – Como está a atuação da Landia hoje e quais seus planos para o futuro da produtora?

Andy – Hoje a Landia tem cinco escritórios: Buenos Aires, São Paulo, Los Angeles, México e Madrid. E cada um trabalhando duro em seu mercado. Depois de vários anos temos conseguido nos integrar e termos uma identidade local destes escritórios, desenvolvendo diretores e produtores locais. Temos mais de 25 diretores próprios e outros tantos produtores em nossos cinco escritórios. No Brasil, temos fortalecido muito a nossa estrutura, incorporando novos jovens talentos como Lua Voigt, Del Reginato e Kayhan Ozmen, que se somam como diretores a nosso parceiro local, Rodrigo Saavedra, que nos últimos anos tem provado ser um dos melhores diretores na região e com mais projeção internacional. A operação local em São Paulo está a cargo de Carolina Dantas e Sebastián Hall, e é uma estrutura muito sólida e dinâmica, produzindo tanto para o mercado local como para o internacional. Nossos planos são continuar crescendo no Brasil e incorporando novos diretores e produtores, e continuar trabalhando internamente para melhorar e criar um formato de trabalho contemporâneo, profissional e criativo. A nível internacional após o Grand Prix em Cannes e prêmios recentes, começaram a se abrir uma série de oportunidades que estamos avaliando em mercados que estão crescendo hoje. No ano passado, fizemos mais de quatro projetos para Ásia e Oriente Médio e vários para o mercado em geral dos Estados Unidos. Também estamos trabalhando em uma divisão forte de conteúdo, incorporando produtores e roteiristas para produzir tanto conteúdos próprios, quanto conteúdos para marcas. No futuro, queremos pensar na companhia mais como uma plataforma de “e-commerce de conteúdos”, do que como uma produtora clássica – é para onde temos que ir. E com uma visão mais abrangente, olhando também o que acontece com todos os novos paradigmas de storytelling como VR, a interatividade que ainda não tem muito desenvolvimento na região. O outro grande desafio é interno e estamos fazendo um trabalho forte para dentro, com equipes interdisciplinares, pensando para onde vai o nosso trabalho e buscando projetar novas formas de produzir de maneira mais rápida, mais leve, que ajude a trabalhar com este novo paradigma de produção e onde podemos retirar a gordura e todo “bullshit” do trabalho, adicionando eficácia e criatividade.

M&M – A Landia foi incluída anteriormente na A-List, da Advertising Age, como uma das melhores produtoras do mundo. Vocês também foram listados no Gunn Report. Quais os diferenciais da Landia como produtora?

Andy – Não há muitos segredos, temos de trabalhar duro e forte e colocar muito amor próprio e cabeça no que fazemos. Desde o começo sempre levamos muito a sério o trabalho e também os festivais como uma forma de auto-desafio para a produtora. Temos uma forte exigência com os resultados de cada projeto e isso é percebido e valorizado. Festivais são um momento de concentração e reflexão, onde você vê e compara com o que você está fazendo, sempre apostando alto com trabalhos reais. Também nos ajuda a trabalhar para diferentes mercados, temos scripts a partir de diferentes regiões e isso nos dá muita versatilidade. Também tem a ver com o que eu disse antes sobre o ecossistema da publicidade. Devemos participar dos festivais, estarmos atentos ao que está acontecendo, mostrar o que fazemos, ver o que os outros fazem, e ajudar agências e clientes quando eles estão por trás de um projeto que pode ajudar a mover uma equipe criativa.

M&M – Quais os diferentes olhares que um diretor deve ter para desenvolver trabalhos para televisão, cinema, internet ou mobile?

Andy – Hoje, é essencial que o diretor e o produtor saibam como trabalhar para todas as diferentes plataformas. E eu acho que o trabalho em cada uma potencializa o das outras. O diretor dos próximos anos tem de ter uma multi-formação. Acabou o diretor que só sabe dirigir. Hoje, ele tem que ter uma formação cinematográfica para o storytelling, mas também deve ter uma formação digitail, saber algo de interatividade, fotografia, montagem, e até diria que tem que começar a entender para onde vai a realidade virtual. Na Europa, esta nova geração é chamada de “predadores”. Pré-produzem, editam e dirigem por si mesmos. É uma definição interessante. Mas a coisa importante de trabalhar para cada plataforma é sempre ter claro onde, em última análise, cada conteúdo será consumido. Não é a mesma coisa trabalhar para alguém que vai ver um comercial na sala de sua casa e para alguém que vai ver uma web série no ônibus, indo para o trabalho. E assim se deve pensar e repensar tudo. Como é a fotografia de algo que você vê no telefone? Como deve ser um movimento de câmera de um conteúdo que eu vejo enquanto me movo? É algo interessante em que devemos continuar a nos aprofundar.

M&M – A campanha “Taste the Feeling”, da Coca-Cola, lançada no ano passado, fez muito sucesso por conta de seu conceito criativo mas também pela trilha sonora que ganhou a atenção dos consumidores e por sua bela produção. O que pode nos contar sobre esse trabalho?

Andy – Eu sinto que, em geral, “Taste the Felling” é uma adaptação de temas publicitários clássicos para o mundo contemporâneo de hoje com seus problemas e necessidades. O grande desafio foi fazer uma campanha para quase 200 mercados. Porque os primeiros comerciais foram transmitidos em cerca de 200 países diferentes. E é um retorno para se concentrar em histórias que giram em torno do produto em uma época que temos que nos concentrar na mensagem por conta da grande desconcentração que produz este presente hiper estimulado. É interessante o que está sendo feito pela Coca-Cola com esta campanha, que é de alguma forma repensar a comunicação de uma narrativa clássica, mas com um toque contemporâneo na realização e no casting. No caso, por exemplo, da campanha deste ano e do filme “Pool Boy” é interessante a reviravolta para colocar, para uma campanha global para a Coca Cola, dois irmãos, onde um é gay e há o conflito típico entre irmãos que se dá em uma família contemporânea. O cliente e a agência deram um passo adiante e estão dizendo algo diferente, que contribui para uma discussão mais séria e inteligente em nosso trabalho, e que por sua vez gerou muito buzz e comentários. Como campanha foi um grande desafio, porque tivemos que fazer muitas das peças em shoot duplo ou triplo, para diferentes mercados e grupos étnicos, e ao mesmo tempo para os clientes em diferentes localizações geográficas, o que exige sempre um planejamento mais forte.

M&M – Além de cinema, você estudou roteiro, estética e música. Como estas outras disciplinas ajudaram na sua carreira?

Andy – O discurso publicitário precisa se nutrir de outras coisas, sem elas é realmente muito vazio e superficial. Eu tento manter a constância de certas disciplinas que fazem me recuperar um pouco do que o dia a dia do trabalho me tira. É importante manter o exercício mental. Há muito tempo estudo filosofia, porque é uma disciplina que continua a ajudar-me a pensar, e a enfrentar o trabalho a partir de uma perspectiva mais contemporânea e, eu sinto, mais profunda.

 

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